Meu amigo não chegou na hora marcada.
Telefonou dizendo que estava num velório.
Chegou atrasado, sorridente.
E me contou que fora no velório que lhe viera aquela felicidade.
Pensei logo que o morto deveria ser um inimigo.
Não era.
Um tio muito querido, pessoa doce, 82 anos.
E ele me contou uma história de um amor...
Amor de mocidade é bonito, mas não é de espantar.
Jovem tem mesmo é que se apaixonar.
Mas o amor na velhice é um espanto, pois nos revela que o coração não envelhece jamais.
Pode até morrer, mas morre jovem.
“O amor retribuído sempre rejuvenesce”, dizia Eliot, no vigor da sua paixão, aos 70 anos...
A Simone de Beauvoir, no seu livro sobre a velhice, diz que há uma coisa que não se perdoa nos velhos: que eles possam amar com o mesmo amor dos moços.
Aos velhos está reservado outro tipo de amor, amor pelos netos, sorrindo sempre pacientemente, olhar resignado, espera da morte, passeios lentos pelos parques, horas jogando paciência, cochilos em meio às conversas.
Mas, quando o velho ressuscita, e no seu corpo surgem de novo as potências adormecidas do amor – oh! os filhos se horrorizam! “Ficou caduco...”
A estória que meu amigo contou era um amor de adolescência interrompido – cada um seguindo seu caminho, diferentes, outros amores, famílias.
Mas o tempo não consegue apagar.
A psicanálise acredita que no inconsciente não há tempo...
Somos eternamente jovens.
E, de repente, já no crepúsculo, as árvores que todos julgavam secas começam a soltar brotos, florescem.
Casam-se – ele com 80 anos, ela com 76 – e vão morar longe, longe dos olhos dos que não suportariam o amor na velhice.
E ele, aos 81 anos, voltou a estudar violino!
Divina loucura!!!
E foi o mesmo que aconteceu com o T.S. Eliot, que só encontrou o seu amor aos 68 anos, e aos 70 dizia que, antes do casamento, estava ficando velho.
Mas agora se sentia mais jovem do que quando tinha 60.
O amor tem esse poder mágico de fazer o tempo correr ao contrário.
O que envelhece não é o tempo.
É a rotina, o enfado, a incapacidade de se comover ante o sorriso de uma mulher ou de um homem.
Mas será incapacidade mesmo?
Ou não será uma outra coisa: que a sociedade inteira ensina aos seus velhos que o tempo do amor já passou, que o preço de serem amados por seus filhos e netos é a renúncia aos seus sonhos de amor?
Se eu pudesse, acrescentaria aos textos sagrados, nos lugares onde os profetas têm visões da felicidade messiânica, esta outra visão que, eu penso, até o próprio Deus aprovaria com um sorriso: “E os velhos se apaixonarão de novo...”
Rubem Alves
Meditação
Colaboração; Ariani
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